TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS NA INFÂNCIA
O pensar, a capacidade de utilizar uma
linguagem escrita, falada ou ainda de experimentar sentimentos não
nascem com a criança, estando profundamente relacionados a seu
desenvolvimento.
Desde o nascimento, o bebê vai tendo experiências na relação com a mãe
ou com quem o cuida que lhe vão permitindo, de forma rudimentar,
classificar "o que é igual ou diferente". Ao cuidar do bebê, a mãe
deverá ser capaz de "traduzir", à sua maneira, as necessidades do mesmo.
Os gestos ou tipos de cuidados fazem com que o bebê aprenda a
discriminar as suas sensações do ambiente externo. Dessa maneira, é de
suma importância que o cuidador tolere sensivelmente o desconforto do
bebê, administrando os cuidados necessários afetivamente, para que dessa
maneira a criança construa uma integrada condição emocional.
Existem, entretanto, transtornos psiquiátricos
que podem ocorrer no desenvolvimento da criança, os quais examinaremos a
seguir e que são:
Transtornos da aprendizagem, transtornos das habilidades motoras e transtornos da comunicação (linguagem)
Os transtornos da aprendizagem referem-se a
dificuldades na leitura, na capacidade matemática ou nas habilidades de
escrita, medidas por testes padrões que estão substancialmente abaixo do
esperado, considerando-se a idade da criança, seu quociente de
inteligência (QI ) e grau de escolaridade.
No transtorno das habilidades motoras, o
desempenho em atividades diárias que exigem coordenação motora está
abaixo do esperado para a idade, como por exemplo atraso para sentar,
engatinhar, caminhar, deixar cair coisas, fraco desempenho nos esportes
ou caligrafia insatisfatória. Muitas vezes essa criança é vista como
desajeitada, tropeçando com freqüência ou inábil para abotoar suas
roupas ou amarrar os cadarços do sapato.
Nos transtornos da comunicação a perturbação
pode manifestar-se por sintomas que incluem um vocabulário limitado,
erros grosseiros na conjugação de verbos, dificuldade para evocar
palavras ou produzir frases condizentes com sua idade cronológica. Os
problemas de linguagem também podem ser causados por perturbações na
capacidade de articular sons ou palavras.
Não é raro a presença de mais de um desses
transtornos de aprendizagem em uma mesma criança, muitas vezes estando
associados com o transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. O
tratamento das dificuldades de aprendizagem inclui muitas vezes reforço
escolar, tratamento psicopedagógico ou até mesmo encaminhamentos para
escolas especiais, dependendo da gravidade do problema. A baixa
auto-estima, a repetência escolar e o abandono da escola são
complicações comuns nesses transtornos. Assim, a abordagem
psicopedagógica e o aconselhamento escolar são cruciais. Pode estar
indicada também tanto a psicoterapia individual quanto a de grupo ou
familiar, conforme a situação. O tratamento com medicação está indicado
apenas em casos comprovadamente associados a transtornos que exijam o
uso de remédios, como o TDAH e quadros graves de depressão e fobia
escolar.
Transtorno do déficit de atenção-hiperatividade
As crianças com esse transtorno são
consideradas, com freqüência, crianças com um temperamento difícil. Elas
prestam atenção a vários estímulos, não conseguindo se concentrar em
uma tarefa única e, assim, cometendo erros muitas vezes grosseiros. É
comum terem dificuldade para manter a atenção, mesmo em atividades
lúdicas e com freqüência parecem não escutar quando chamadas. Muitas
vezes não conseguem terminar seus deveres escolares, tarefas domésticas
ou deveres profissionais. Têm dificuldade para organizar tarefas,
evitando, antipatizando ou relutando em envolver-se em tarefas que
exijam esforço mental constante. Costumam perder facilmente objetos de
uso pessoal. Esquecem facilmente atividades diárias.
A hiperatividade aparece como uma inquietação,
manifesta por agitação de mãos ou pés e não conseguir permanecer parado
na cadeira. São crianças que quase sempre saem de seus lugares em
momentos não apropriados, correm em demasia, têm dificuldade de
permanecer em silêncio, estando freqüentemente "a mil".
Outra característica desse transtorno é a
impulsividade, que aparece em respostas precipitadas mesmo antes de as
perguntas terem sido completadas. Com freqüência, são crianças que têm
dificuldade de aguardar sua vez, interrompendo ou intrometendo-se em
assuntos alheios.
O transtorno deve ser diagnosticado e tratado
ainda na infância para não causar maiores prejuízos ao desenvolvimento
interpessoal e escolar da criança. O tratamento inclui psicoterapia
individual e, às vezes, terapia familiar. Quase sempre faz-se necessário
o uso de medicação com um resultado muito satisfatório.
Transtornos do Comportamento Disruptivo
Os transtornos da infância diretamente
relacionados com o comportamento são os transtornos de oposição e
desafio e o transtorno de conduta. São caracterizados por um padrão
repetitivo e persistente de comportamento agressivo, desafiador, indo
contra as regras de convivência social. Tal comportamento deve ser
suficientemente grave, sendo diferente de travessuras infantis ou
rebeldia "normal" da adolescência. O Transtorno de oposição e desafio
(TOD) tem maior incidência na faixa etária dos 4 aos 12 anos e atinge
mais meninos que meninas. Tem como característica um comportamento
opositor às normas, discute com adultos, perde o controle, fica
aborrecido facilmente e aborrece aos outros.
No Transtorno de Conduta, que é mais comum
entre adolescentes do que crianças e é mais comum também entre meninos, o
padrão disfuncional de comportamento é mais grave que no Transtorno de
oposição e desafio. Eles freqüentemente agridem pessoas e animais,
envolvem-se em brigas, em destruição de propriedade alheia, furtos ou
ainda agressão sexual. Sérias violações de regras, como fugir de casa,
não comparecimento sistemático à aula e enfrentamento desafiador e
hostil com os pais também são sinais da doença. Esse transtorno está
freqüentemente associado à ambientes psicossociais adversos, tais como:
instabilidade familiar, abuso físico ou sexual, violência familiar,
alcoolismo e sinais de severa perturbação dos pais.
A comorbidade desses transtornos com o abuso de
substâncias e TDAH chega a quase 50%. O tratamento dos transtornos de
oposição e de conduta envolve principalmente psicoterapia individual e
familiar, e às vezes reclusão em unidades corretivas. O tratamento das
comorbidades é fundamental e pode necessitar de medicação (nos casos de
TDAH) ou até internação (em quadros graves de dependência química).
Transtornos Depressivos na Infância
O reconhecimento de transtornos depressivos na infância ocorreu no final da década de 60. Surgiram então três conceitos:
sintomas depressivos análogos aos dos adultos não existem; | |
a depressão manifesta-se por sintomas específicos nessa faixa etária; | |
a sintomatologia depressiva surge mascarada por outros sintomas ou síndromes, |
tais como hiperatividade, enurese, encoprese, déficit de aprendizagem e transtorno de conduta.
Transtornos depressivos ocorrem tanto em
meninos quanto em meninas. Os sintomas de depressão podem ser :
isolamento, calma excessiva, agitação, condutas auto e
hetero-agressivas, intensa busca afetiva, alternando atitudes
prestativas com recusas de relacionamento. A socialização está
geralmente perturbada: pode haver recusa em brincar com outras crianças e
dificuldade para aquisição de habilidades. As queixas somáticas são
freqüentes: dificuldade do sono (despertar noturno, sonolência diurna),
alteração do padrão alimentar. Queixas de falta de ar, dores de cabeça e
no estômago, problemas intestinais e suor frio também são freqüentes.
A criança deprimida apresenta incapacidade para
divertir-se, algumas vezes queixando-se de estar aborrecida. Assistem
muita televisão não se importando qual seja o programa. A baixa
auto-estima e a culpa excessiva, além da diminuição do rendimento
escolar são característicos da depressão. Apresentam também muita
irritabilidade, sendo descritas pelos pais como mal humoradas.
Os transtornos depressivos da infância podem
ser classificados em duas formas bem distintas. A primeira delas, a
distimia que, etmológicamente significa "mal-humorado", é uma forma
crônica de depressão com início insidioso, podendo durar toda a vida da
pessoa. Para firmar este diagnóstico é preciso que o humor seja
depressivo ou irritável e esteja presente quase todos os dias por pelo
menos um ano.
A outra forma de depressão, transtorno
depressivo maior é caracterizada por períodos ou crises apresentando uma
síndrome depressiva completa (todos os sintomas descritos
anteriormente) por pelo menos duas semanas, causando importantes
prejuízos na vida da criança. Podem estar presentes alucinações, ideação
ou condutas suicidas. Essa crise é nitidamente diferente do
funcionamento habitual da criança.
Os transtornos depressivos são bastante
tratáveis hoje em dia, obtendo-se bons resultados. Pais que desconfiem
que um filho sofra desse mal devem levá-lo a um psiquiatra ou serviço de
psiquiatria para uma avaliação. O tratamento utiliza medicações
antidepressivas e acompanhamento psicológico. Internações são
necessárias em duas situações: quando o paciente fica psicótico (fora da
realidade), o que é raro, ou quando existe risco de suicídio.
Transtornos Globais do Desenvolvimento (Autismo Infantil)
Esse grupo de transtornos é caracterizado por
severas anormalidades nas interações sociais recíprocas, nos padrões de
comunicação estereotipados e repetitivos, além de um estreitamento nos
interesses e atividades da criança. Costumam se manifestar nos primeiros
cinco anos de vida . Existem várias formas de apresentação dos
transtornos globais, não havendo até o presente momento um consenso
quanto à forma de classificá-los.
A forma mais conhecida é o Autismo Infantil,
definido por um desenvolvimento anormal que se manifesta antes dos três
anos de vida, não havendo em geral um período prévio de desenvolvimento
inequivocamente normal. As crianças com transtorno autista podem ter
alto ou baixo nível de funcionamento, dependendo do QI, da capacidade de
comunicação e do grau de severidade nos seguintes itens:
prejuízo acentuado no contato visual direto, na expressão facial, posturas corporais e outros gestos necessários para comunicar-se com outras pessoas. | |
fracasso para desenvolver relacionamentos com outras crianças, ou até mesmo com seus pais. | |
falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por exemplo: não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse ). | |
atraso ou ausência total da fala ( não acompanhado por uma tentativa para compensar através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímicas ). | |
em crianças com fala adequada, acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversa. | |
uso repetitivo de mesmas palavras ou sons. | |
ausência de jogos ou brincadeiras variadas de acordo com a idade. | |
a criança parece adotar uma rotina ou ritual específico em seu ambiente, com extrema dificuldade e sofrimento quando tem que abrir mão da mesma. | |
movimentos repetitivos ou complexos do corpo. | |
preocupação persistente com partes de objetos. |
Outras formas de transtornos globais do desenvolvimento são:
Autismo atípico, | |
Síndrome de Rett, | |
Transtorno desintegrativo da infância, | |
Síndrome de Asperger. |
O tratamento do transtorno autista visa
principalmente uma educação especial com estimulação precoce da criança.
A terapia de apoio familiar é muito importante: os pais devem saber que
a doença não resulta de uma criação incorreta e necessitam de
orientações para aprenderem a lidar com a criança e seus irmãos. Muitas
vezes se faz necessário o uso de medicações para controlar
comportamentos não apropriados e agressivos. O prognóstico destes
transtornos é muito reservado e costumam deixar importantes seqüelas ou
falhas no desenvolvimento dessas pessoas na idade adulta.
Transtornos de Tique
A manifestação predominante nessas síndromes é
alguma forma de tique. Um tique é uma produção vocal ou movimento motor
involuntário, rápido, recorrente (repetido) e não rítmico (usualmente
envolvendo grupos musculares circunscritos), sem propósito aparente e
que tem um início súbito. Os tiques motores e vocais podem ser simples
ou complexos. Os tiques simples em geral são os primeiros a aparecer.
Podem ser:
tiques motores simples: | piscar os olhos, balançar a cabeça, fazer caretas. | |
tiques vocais simples: | tossir, pigarrear, fungar. | |
tiques motores complexos: | bater-se, saltar. | |
tique vocal complexo: | coprolalia (uso de termos chulos), palilalia (repetição das próprias palavras), ecolalia (repetição de palavras alheias). |
O tratamento requer medicação e psicoterapia,
principalmente para diminuir o isolamento social que comumente ocorre
nesse transtorno.
Transtornos da Excreção
Esse transtorno inclui a enurese e a encoprese .
A enurese é caracterizada por eliminação de urina de dia e/ou a noite, a
qual é anormal em relação à idade da criança e não decorrente de
nenhuma patologia orgânica. A enurese pode estar presente desde o
nascimento ou pode surgir seguindo-se a um período de controle vesical
adquirido. A enurese não costuma ser diagnosticada antes da criança
completar cinco anos de idade e requer, para ser caracterizada, uma
freqüência de duas vezes por semana, por pelo menos três meses.
A encoprese é a evacuação repetida de fezes em
locais inadequados (roupas ou chão), involuntária ou intencional. Para
se fazer o diagnóstico é preciso que esse sintoma ocorra pelo menos uma
vez por mês, por no mínimo três meses em crianças com mais de quatro
anos. Ambas patologias podem ocorrer pelo nascimento de um irmão,
separação dos pais ou outro evento que possa traumatizar a criança. A
encoprese deliberada pode significar grave comprometimento emocional.
Ambas podem durar anos, mas acabam evoluindo para uma remissão
espontânea. Esses transtornos comumente geram intenso sofrimento na
criança, levando a uma estigmatização, com conseqüente baixa da
auto-estima. Geram também isolamento social e perturbações no ambiente e
nas relações familiares.
O tratamento abrange psicoterapia e utilização de medicamentos.
Transtornos de Ansiedade na Infância
A ansiedade é um sentimento vago e desagradável
de medo e apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivados
de uma antecipação de perigos. As crianças em geral não reconhecem
quando seus medos são exagerados ou irracionais. Uma maneira prática de
diferenciar ansiedade normal de ansiedade patológica é avaliar se a
reação ansiosa é de curta duração, auto limitada e relacionada ao
estímulo do momento. Os sintomas de ansiedade podem ocorrer em varias
outras condições psiquiátricas tais como: depressões, psicoses,
transtornos do desenvolvimento, transtorno hipercinético, entre outros. A
causa dos transtornos ansiosos infantís é muitas vezes desconhecida e
provavelmente multifatorial, incluindo fatores hereditários e ambientais
diversos, com o peso relativo de cada fator variando de caso a caso.
Transtorno da Ansiedade de Separação
Esse é o mais comum dos transtornos de
ansiedade, acometendo 4% das crianças. Caracteriza-se por uma ansiedade
não apropriada e excessiva em relação à separação do lar (pais) ou de
figuras importantes cuidadoras para a criança, inadequada para a fase do
desenvolvimento da criança. Essas crianças, quando ficam sozinhas,
temem que algo possa acontecer para elas ou para seus cuidadores
(acidentes, seqüestro, assaltos, ou doenças) que os afastem
definitivamente de si. Demonstram um comportamento excessivo de apego
aos seus cuidadores, não permitindo o afastamento desses ou telefonando
repetidamente para eles afim de tranqüilizar-se sobre seus temores. É
comum nessas crianças a ocorrência de recusa escolar. Se a criança sabe
que seus pais vão se ausentar apresenta manifestações somáticas de
ansiedade (dor abdominal, dor de cabeça, náusea, vômitos, palpitações,
tonturas e sensação de desmaio). Em muitos casos de crianças afetadas os
pais foram ou são portadores de algum transtorno de ansiedade.
A perturbação tem uma duração mínima de quatro semanas e causa sofrimento significativo no funcionamento da vida da criança.
O tratamento requer psicoterapia individual com
orientação familiar e intervenções farmacológicas quando os sintomas
são graves e incapacitantes. Quando há recusa escolar, o retorno às
aulas deve ser o mais rápido possível para evitar cronicidade e evasão. É
muito importante haver uma sintonia entre pais, escola e terapeuta.
Fobias específicas e Fobia social
As fobias específicas são definidas pela
presença de medo excessivo e persistente, relacionado a um determinado
objeto ou situação. Exposta ao estímulo fóbico, a criança procura correr
para perto de um dos pais ou de alguém que a faça sentir-se protegida.
Pode apresentar crises de choro, desespero, imobilidade, agitação
psicomotora ou até mesmo ataque de pânico. Os medo mais comuns na
infância são de pequenos animais, injeções, escuridão, altura e ruídos
intensos. Essas fobias diferenciam-se dos medos normais da infância por
serem reações excessivas, não adaptativas e que fogem do controle da
criança.
Na fobia social a criança apresenta um medo
persistente e intenso de situações onde julga estar exposta à avaliação
de outros , tendendo a sentir-se envergonhada ou humilhada. Essas
crianças relatam desconforto em situações como :
falar em sala de aula, | |
comer junto a outras crianças, | |
ir a festas, | |
escrever na frente de outros colegas, | |
usar banheiros públicos. |
Quando expostas a essas situações é comum
apresentarem sintomas físicos como palpitações, tremores, calafrios,
calores, sudorese e náusea.
O tratamento mais utilizado para essas fobias tem sido a psicoterapia cognitivo-comportamental.
Fonte: http://www.abcdasaude.com.br
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