SÍNDROME DE DOWN/PESQUISAS - Cientistas conseguem silenciar um dos três cromossomas 21
Cromossomo que causa a síndrome de Down foi desligado no laboratório
Pela primeira vez, uma equipa de cientistas conseguiu silenciar um dos três cromossomas 21, que é responsável pela síndrome de Down. Este resultado poderá ajudar a desenvolver novos tratamentos.
(Imagem - Wikipedia - A presença de três cromossomas 21 no cariótipo é o sinal da síndrome de Down por trissomia 21. Este cariótipo mostra uma síndrome de Down adquirida por não-disjunção.)
A espécie humana tem 46 cromossomas. Um desvio deste número mágico dá, na maior parte das vezes, mau resultado. A trissomia 21 é um desses exemplos. Quem nasce com síndrome de Down tem três cromossomas 21, em vez de dois, o que causa uma série de complicações fisiológicas e uma capacidade cognitiva limitada. Agora, pela primeira vez, uma equipa de cientistas conseguiu no laboratório desligar este cromossoma a mais em células de pessoas com trissomia 21. Os resultados são publicados nesta quarta-feira na edição online da revista Nature e prometem trazer uma nova compreensão sobre esta doença (ALTERAÇÃO GENÉTICA) que pode resultar em terapias.
“Para as pessoas que vivem com a síndrome de Down, a nossa esperança é que a demonstração deste conceito abra vários caminhos para estudar este problema e torne possível pensar em investigar no futuro uma ‘terapia cromossômica’”, explica Jeanne Lawrence, da Escola Médica da Universidade do Massachusetts, nos EUA, que liderou este projeto.
É ainda uma realidade a muito longo prazo, que parece para já um cenário impossível. Só se consegue detectar que um feto tem um cromossoma 21 a mais a partir da 12ª semana de gestação. E qualquer terapia só é possível após o nascimento, quando muitos problemas já estão presentes. Por se conhecer tão pouco da doença, não se sabe hoje que efeitos teria um tratamento nessa altura.
Mas é talvez nisso que, para já, esta descoberta pode ajudar: compreender como é que um simples cromossoma 21 a mais nas células provoca problemas cognitivos, o início precoce da doença de Alzheimer, um aumento de risco de leucemia na infância, defeitos no coração, no sistema imunitário ou endócrino, que fazem diminuir a esperança de vida.
Em muitos casos, a causa da trissomia 21 começa antes da fecundação, quando se produzem as células sexuais que vão dar origem a um indivíduo com esta síndrome.
Os 46 cromossomas humanos são oriundos das células sexuais dos nossos pais que se juntam na fecundação. O ovócito tem 23 cromossomas — classificados desde o cromossoma um até ao 22, mais o cromossoma sexual feminino X. O espermatozoide carrega outros 23 cromossomas — que, além dos 22 cromossomas, inclui o cromossoma sexual X ou Y, que define se o embrião vai ser uma mulher (XX) ou um homem (XY).
No caso da trissomia 21, uma das células sexuais traz, em vez de um, dois cromossomas 21. Isto acontece durante a produção dos espermatozoides ou dos ovócitos. Quando ocorrem as divisões celulares para se produzirem estas células, os 46 cromossomas têm de passar equitativamente a metade, mas às vezes a separação não é bem feita e o espermatozoide ou o ovócito acabam por ficar com um cromossoma a mais.
A síndrome de Down é das trissomias mais comuns, um em cada 800 recém-nascidos tem-na, mas também existem trissomias dos cromossomas sexuais e dos cromossomas 13 e 18.
O cromossoma 21 é o mais pequeno dos 22 cromossomas não sexuais. O nosso genoma tem 20.000 genes que comandam o fabrico de proteínas diferentes, além de muitos mais genes que controlam a atividade ao nível do ADN e tornam possível que um ser humano se desenvolva a partir de uma célula. Estes genes estão distribuídos pelos vários cromossomas em longas sequências de ADN. O cromossoma 1 carrega 2073 genes que codificam proteínas, já o cromossoma 21 tem apenas 242 genes.
Por isso, no caso de pessoas com trissomia 21, as suas células estarão a produzir estas 242 proteínas em mais quantidade. De uma forma simplificada, a grande questão é saber quando é que o excesso de uma proteína A no tecido B está a provocar o problema C numa pessoa com síndrome de Down.
Jeanne Lawrence e colegas ainda estão um passo atrás da resolução desse problema. A equipa conseguiu fazer com que um dos três cromossomas 21 deixasse de ativar os seus genes. Para tal, serviu-se de um fenômeno que já acontece nas células de todas as mulheres e imitou-o.
Ainda que as mulheres tenham dois cromossomas sexuais X, só precisam de um ativo (nos homens, o cromossoma Y tem os genes que garantem o desenvolvimento dos seus órgãos sexuais). Nas mulheres, logo no início do desenvolvimento embrionário, um dos dois cromossomas X activa o gene XIST, produzindo uma molécula de ARN. É este ARN que prende este cromossoma X em vários locais como um cadeado, impedindo-o de funcionar. Assim, só um dos cromossomas X funciona quando o embrião se desenvolve.
A equipa serviu-se do gene XIST para fazer o mesmo em células de pessoas com síndrome de Down. Através de engenharia genética, reprogramaram essas células adultas, transformando-as em células estaminais. E inseriram aí o gene XIST num dos cromossomas 21. Quando o gene começou a funcionar, este cromossoma ficou silenciado, não ativando os genes. Estas células passaram a ter uma atividade genética semelhante às células com 46 cromossomas.
De seguida, forçaram essas células estaminais a tornarem-se neurônios para comparar o seu desenvolvimento quando tinham três cromossomas 21 ou quando um dos três cromossomas estava silenciado por este novo método. Os resultados mostraram que os neurônios com o cromossoma desligado multiplicavam-se mais e agrupavam-se de forma mais organizada. “Agora temos uma ferramenta poderosa para identificar e estudar as patologias e as vias celulares que estão a ser condicionadas pela sobre expressão do cromossoma 21”, explica Jeanne Lawrence.
Para João Pinho da Silva esta descoberta “é um avanço muito grande”, mas “ainda é cedo para se prever o que pode acontecer no organismo”, explica o médico geneticista do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto. “Num bebé com trissomia 21, alguns dos problemas já estão instalados e não sabemos se uma terapia [que surja desta investigação] poderá reverter os sintomas ou impedir o seu avanço.”
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